Até o advento da Lei de Propriedade Industrial de 1996 – LPI, os produtos farmacêuticos eram excluídos da proteção patentária em nosso país. Com a entrada em vigor da atual LPI, em abril de 1997, as invenções químico-farmacêuticas e os microrganismos transgênicos passaram a receber este tipo de proteção, ensejando acaloradas discussões sobre a conveniência de se outorgar direitos de exclusividade e seu impacto no preço dos remédios, versus os efeitos positivos decorrentes da remuneração pela pesquisa, desenvolvimento de novas drogas e divulgação das informações contidas nos pedidos de patente apresentados junto ao INPI (Instituto Nacional de Propriedade Industrial) para a economia como um todo.
Se, por um lado, a outorga de patentes estabelece direitos de propriedade e de uso exclusivo na produção – um direito de monopólio temporário de ideias e aprimoramentos decorrente do esforço criativo empreendido – por outro, é reconhecido que tal exclusividade estimula a competitividade das empresas. As farmacêuticas e biotecnológicas não são exceção. Ativos de Propriedade Intelectual, entre os quais as patentes, figuram como itens exponenciais na valoração das empresas modernas, por vezes com valor superior até mesmo a todos os demais ativos daquela empresa, tornando-se um pilar importante no preço de suas ações na bolsa de valores ou em operações financeiras relacionadas, do tipo I, fusão, ou simples venda.
A legislação atual permite a concessão de patentes aos produtos e processos farmacêuticos, bem como aos microrganismos transgênicos, i.e., aqueles obtidos via engenharia genética, desde que possuam os requisitos de novidade, atividade inventiva (não sendo decorrência óbvia do estado da técnica) e industrial. Excluem-se, portanto, os elementos já encontrados na natureza.
Com a sua legislação adequada ao sistema internacional dominante, resta ao nosso país tornar-se um país fomentador da inovação, também neste campo. O mercado farmacêutico brasileiro é, no tempo em que este artigo é escrito, estimado em R$ 102 bilhões, consideradas as vendas no varejo e aquelas do mercado institucional. O Brasil é o 15º maior mercado do mundo neste segmento, com um poderoso parque industrial produtor de medicamentos, sendo o nosso consumo per capta menos de 10% daquele verificado em alguns países ricos. O potencial de crescimento deste setor é enorme, o que explica a recorrente entrada no mercado de grande número de novos laboratórios, brasileiros e estrangeiros.
Alguns entraves à concessão de patentes, todavia, ainda persistem, sejam eles ideológicos ou meramente burocráticos. O papel da ANVISA (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) tem sido discutido com preocupação. O artigo 229-C inserido em nossa LPI através da Medida Provisória 2.006/1999, estabelece que “A concessão de patentes para produtos e processos farmacêuticos dependerá da prévia anuência da Agência Nacional de Vigilância Sanitária – ANVISA”. A discussão recai na interpretação do alcance da expressão “prévia anuência”, seja em face do direito, seja por conta dos compromissos que o Brasil assumiu junto à OMC (Organização Mundial do Comércio) e diante dos ditames do TRIPS (Acordo sobre Aspectos dos Direitos de Propriedade Intelectual Relacionados ao Comércio).
Para muitos, a intenção do legislador não foi retirar do INPI a competência originária do exame dos pedidos de patente farmacêuticos ou, tampouco, criar um segundo exame de patenteabilidade, mas simplesmente proteger o interesse social em casos específicos. O fato é que tal sujeição tem criado entraves à necessária celeridade do exame de patentes na área farmacêutica, o que tem levado à discussão do papel da ANVISA ao Judiciário.
No início do mês de agosto de 2021, o Senado Federal aprovou, mediante alterações no texto anterior, a Medida Provisória n° 1040, (MPV 1040/2021), relacionada à modernização do ambiente de negócios no país. Entre as alterações legislativas propostas no texto da MPV, em seu artigo 57 (XXVI), está a revogação do artigo 229-C da LPI. O projeto de lei agora segue para veto ou sanção pela Câmara dos Deputados até o dia 26/08/2021. Caso o projeto seja aprovado e eventualmente torne-se lei, a prévia anuência da ANVISA no processo de exame de patentes farmacêuticas será dispensável.